09/06/2022 às 20:39 Crônicas

O dia em que senti saudade do café de R$1,50 da máquina da faculdade

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(texto publicado no LinkedIn em 30 de junho de 2020)

Eu lembro do dia em que colocaram a primeira máquina de café lá na faculdade (hoje elas se multiplicaram e já são três). Quer dizer, eu lembro da primeira vez que a vi, pelo menos. Parecia uma coisa meio filme americano. Você colocava o dinheiro (ou passava o cartão) e aquele treco, que tinha quase o meu tamanho, servia um cafézinho quentinho e até bem gostoso. Não que eu seja uma especialista do tipo, mas só sei que a danada passou a fazer parte da minha rotina.  Era só começar a sentir um pouquinho de sono que eu ia atrás do café de R$1,50. 

  E não podemos esquecer das quintas em que marcava com João, meu amigo artista, para trocarmos ideias sobre projetos que criávamos em nossas cabeças. Tudo regado a um “cafézinho” de R$1,50, que ficava no caminho da TV da faculdade, nosso point de encontro. 

   E foi do bendito café que lembrei no meio de outra quinta-feira de madrugada. Essa quinta havia sido diferente. Eu estava sozinha e não conseguia seguir com meu pré-projeto de TCC... Estava sendo, aliás, uma semana cansativa. 

Na segunda, logo quando comecei meu turno, recebi uma mensagem da minha supervisora dizendo que queria conversar comigo no final da manhã. Foram horas de tensão. Pensava que ia ser demitida. Não fui. Era só um alinhamento de novas demandas, e eu terminei a videochamada olhando aliviada para tela do computador. 

 Na terça, eu tentei de tudo para assistir às aulas online no portal que a faculdade havia criado para seguirmos com aulas à distância. Mais uma semana sem sucesso, me sentia impotente. 

Na quarta, fui avisada sobre a redução do valor da minha bolsa com o corte do vale-transporte. Afinal, é um momento de contenção de gastos e nós estamos trabalhando de casa, sem pegar transporte. Fazia sentido. Mais tarde, em uma reunião, dois colegas desligados. Não aguentava mais, chorei. Aquilo ali não fazia mais sentido nenhum. 

   Naquela quinta de madrugada eu estava no limite do prazo para entrega de uma parte importante do TCC. Se não entregasse no dia seguinte, comprometeria o tempo que teria para fazer o resto. Meus ombros doíam de tensão enquanto pensava em todos os planos que tinha feito para este ano que deveria ser meu ano de formatura. 

  É que... veja bem: do nada, a minha rotina de sair às 07h para trabalhar, seguir às 18h para a faculdade e voltar às 22h para casa havia mudado para ficar em casa em tempo integral. E para quem escolheu uma profissão baseada na falta de rotina e que envolvia estar em contínua atividade, eu tinha muita energia acumulada. E começava trabalhando na escrivaninha para depois ir passando pela cama, corredor, mesa da sala e terminava de ponta cabeça no sofá. 

 E se, um ano atrás, alguém tivesse me dito que ia chegar um vírus quase mortal que ia forçar a gente a fechar as lojas, escolas, empresas e ficar em casa, eu provavelmente não teria acreditado. E olha que quem me conhece sabe que eu acredito realmente no poder da natureza. 

 Se ainda acrescentassem a tudo isso o cenário de crise política/social beirando o absurdo, aí eu simplesmente teria falado que estavam me contando um roteiro de filme hollywoodiano daqueles bem apocalípticos  Mas isso é vida real e meu excesso de energia foi aos poucos sendo substituído pela agonia de quem havia entendido que aquilo ali seria a rotina pelos próximos dias...

   Para completar, a faculdade parecia querer estar provando que trabalhava, então eu nunca tive tanta atividade para fazer, mesmo sem conseguir direito absorver as coisas, já que raramente conseguia assistir às aulas. Exausta, às duas da madrugada, eu só conseguia pensar no café que comprava por R$1,50 na máquina da faculdade. 

 É que, como já disse, eu gosto da correria, gosto do movimento, mas eu ainda sou humana. Então, no meio da loucura, quando me sentia cansada, estressada ou simplesmente queria uma folguinha, eu corria para um café. 

Em dias muito quentes, eu gostava de tomar o café gelado daquele restaurante logo na entrada do shopping que fica ao lado da faculdade. Lembrei dos dias em que ia com meus amigos e dividíamos um copão de pão-de-queijo, enquanto trocávamos confidências que haviam acontecido ao longo do dia. 

Nos domingos em que simplesmente queria ficar sozinha, corria no café lá do corredor da Vitoria. Meu orçamento é bom, mas, ainda assim, só me permitia escolher entre um café ou um pedaço de bolo. Qualquer que fosse a opção, o momento em si já me fazia bem. 

Nos dias em que os projetos universitários precisavam de reuniões extras no domingo, o café era o da lanchonete lá do espaço Glauber Rocha, o cinema do Itaú aqui em Salvador - que tem uma varanda com vista para a Baía de todos os Santos - e parecia fazer nossas cabeças funcionarem melhor. 

 Mas nos dias mais difíceis, nos dias com horários mais apertados, no final do mês em que a conta já estava prestes a entrar no cheque-especial, o café de R$1,50 da máquina da faculdade já ajudava. 

 Aquela madrugada, eu quase sentia o cheiro daquele café. A espera jogando conversa fora com as amigas, enquanto elas compravam seu copo. Eu podia quase sentir a gentileza do dia em que havia postado um stories virando a noite na conclusão de um trabalho e o crush se ofereceu para me comprar um copo sob o pretexto de “ajudar com o cansaço”. Eu podia quase ouvir o barulhinho que a maquina fazia quando avisava que o café estava pronto. “Piiiii, piiiii”.  Dessa vez, eu não iria me esquecer de apertar o botão para diminuir o açúcar, eu sempre me esquecia. 

Sentia muitas saudades. 


-------------- 


Esse texto é só para lembrar que não estamos vivendo uma situação normal e que tudo bem não estar bem. 

Tudo bem não conseguir aprovar todas as matérias.

Tudo bem não estar rendendo quase nada. 

Tudo bem querer passar o dia deitada na cama, olhando para o nada. 

Mas a gente segue tentando,

Cumprindo compromissos. 

Passando tracinho nas listas de afazeres. 

Seguimos tentando...

Mas não está tudo bem. 

09 Jun 2022

O dia em que senti saudade do café de R$1,50 da máquina da faculdade

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